Daria mais importância ao que é realmente importante e abstrairia melhor as insignificâncias.
Seria mais participativa, me envolveria mais com os assuntos políticos, econômicos, seria mais antenada.
Se eu fosse eu não seria ciumenta e se o fosse, o seria na medida exata para envaidecer o ser amado.
Se eu fosse eu seria menos teimosa, menos impulsiva, contaria até 8 antes de dar uma resposta atravessada que me faria arrepender logo após dita.
Seria uma pessoa mais aberta, principalmente com meus familiares, deixaria que eles entrassem no meu mundo e os faria me ver por completo.
Se eu fosse eu sentiria menos culpa, não me deixaria envolver por chantagens emocionais, por frases de impacto que me paralisam e que me dão uma responsabilidade que não me pertence.
Se eu fosse eu seria mais livre, não teria tanto medo.
Se eu fosse eu descobriria de onde vem a minha ansiedade ruim e acabaria com ela, deixaria somente aquelas que proporcionam as 'borboletas' no estômago.
Começaria a estudar mais, a correr atrás das coisas que quero e faria um curso de fotografia.
Descobriria uma coisa nova todo dia.
Seria mais dinâmica.
Faria trabalhos voluntários.
Traçaria uma meta e a seguiria até concluí-la.
Se eu fosse eu voltaria para meu curso de francês, para o tênis e para o violão.
Comeria comidas mais saudáveis e aboliria refrigerantes e doces.
Se eu fosse eu retomaria a escrever mais para o meu grupo italiano.
Se eu fosse eu pouparia mais dinheiro, pagaria as dívidas antigas antes de fazer novas.
Se eu fosse eu minhas mágoas não usariam bóias, eu simplesmente as esqueceria.
Seria menos sensível, mas sem perder a doçura, só por uma questão de proteção.
Choraria menos e riria ainda mais.
Se eu fosse eu, eu seria quem sou.
* Esse post surgiu após ler uma crônica da Clarice Lispector, onde ela propõem aos leitores que se fizessem essa pergunta. Transcrevo abaixo o texto da Clarice.
Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.
(Texto extraído do livro A Descoberta do Mundo, Clarice Lispector, editora Rocco, pg. 156).
* Foto Googleada
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